Por: Dra. Flávia Weschenfelder - Fonoaudióloga 

 

Sob um rosto inteligente, uma aparência física normal, uma capacidade mnemônica muitas vezes notável, esconde-se uma criança com "um olhar distante", com um grave comprometimento na linguagem, que se isola, que não encontra o outro, enfim, uma criança que simboliza para todos aqueles que a "encontram" um verdadeiro enigma – o enigma da criança autista. 

            Acredito que se pedirmos para uma pessoa falar sobre o autismo, ela não terá muitas dificuldades de definição. O autismo tem sido difundido através de filmes, novelas, documentários em telejornais, livros, etc. Mas se observarmos as características autísticas mostradas em cada um destes personagens, vamos observar que estes autistas são diferentes e isso acontece porque nenhum autista é igual ao outro. As características principais do quadro (dificuldades de interação social, dificuldades de comunicação verbal e não verbal e padrões restritos e repetitivos de comportamento) variam em graus diferentes. Tanto que a nomenclatura usual hoje, chamasse Transtorno do Espectro Autista-TEA. Por isso que há quadros diferentes no desenvolvimento de linguagem. E é sobre esse desenvolvimento que gostaria de explicar um pouco. As dificuldades nessa área, podem significar uma não aquisição da linguagem, uma perda progressiva das vocalizações já adquiridas, ou ainda a persistência de manifestações verbais com características bem próprias do TEA.

            Mas, o que é linguagem? A linguagem é fundamental ao desenvolvimento de toda e qualquer pessoa humana. Ela permite aos sujeitos compreender o mundo e nele agir, e  desta maneira é a forma mais usual de encontros, desencontros e confrontos de posições, porque é por ela que estas posições se tornam públicas. Aprender a falar é também dominar e desenvolver sistemas de regras formais recursivas que permitem, a partir de elementos iniciais mais simples, construir as estruturas abstratas que se realizam em infinitas orações, servindo às mais diversas necessidades de manifestação das experiências humanas.

            Ao que se observa em crianças com TEA, algumas falam com volubilidade, estando às vezes mais adiantadas do que atrasadas na aquisição da linguagem. A maioria delas tem uma memória verbal excepcional. A maior parte do que elas expressam parece ser uma ecolalia de discurso que parecem aprendidos de "cor" e que são ditos em situações na maioria das vezes apropriados. Mas essas crianças tem dificuldades em compreender perguntas que envolvam uma resposta maior do que um sim ou não e, alguns vezes, essas respostas são de modo inadequado. Essas características são comuns no tipo Asperger, onde a principal característica é em relação a aquisição normal da linguagem.

            O distúrbio mais grave que se pode observar no TEA é a dificuldade de decodificar a linguagem por via auditiva. São pessoas com dificuldades em se comunicar por gestos e quando o fazem, é somente para satisfazer necessidades (pedir comida, pegar um brinquedo); em vez de apontar e falar, puxam seus pais para aquilo que querem. Geralmente nesses quadros, a linguagem não ocorrerá, ou se ocorrer será de poucas palavras.

            Também podem ocorrer crianças com um nível de compreensão maior do que falam. Sua linguagem é restrita, produzida com dificuldade, faltando palavras funcionais (artigos, preposições, conjunções) e flexões verbais. Ou seja, a criança está numa idade avançada, falando uma linguagem telegráfica do tipo "Dudu comi bolo" para "Dudu quer comer bolo". Também as concordâncias de gênero e número estão ausentes ou são defeituosas (o menina sai). Com isso, teremos um vocabulário mais restrito e dificuldades ao falar as palavras.

            Há crianças com um desenvolvimento de linguagem satisfatório mas com dificuldade em engajar numa conversa com sentido, com uma incapacidade de fornecer ao interlocutor as informações necessárias, a impossibilidade de seguir um mesmo tópico e de tornar o turno da palavra no momento desejável.

            De uma forma geral, a aquisição da linguagem é quase sempre atrasada de modo significativo nas crianças com TEA. O prognóstico quanto o desenvolvimento da linguagem é variável. A questão envolvendo a possibilidade de identificação da melhor abordagem terapêutica para essas crianças também tem sido discutida na literatura. As pesquisas têm identificado a efetividade de diversas abordagens terapêuticas e chamam a atenção para o fato de que qualquer comparação deve levar em conta os dados a respeito do contexto familiar e social. Diversos estudos enfatizam que é prematuro e enganoso sugerir que qualquer abordagem terapêutica é mais efetiva do que outra e que não há uma abordagem que seja efetiva para todas as crianças. Sugere-se que a intervenção deve ser individualizada, no sentido de envolver o nível de desenvolvimento atual da criança e de identificar o perfil de facilidades e dificuldades de cada uma. Mas, o mais importante é conhecermos o funcionamento da criança e buscar estratégias para o desenvolvimento da linguagem juntamente com a família.